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Ocitocina: a molécula da moralidade

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Paul Zak é um neuroeconomista e professor universitário que, em 2012, publicou um livro chamado A molécula da moralidade. No livro, explica como seus experimentos com o Jogo da Confiança o levaram a conclusão de que a ocitocina, um hormônio e neurotransmissor chamado de “hormônio do amor”, tem um papel fundamental na criação de laços de afeto e confiança em seres humanos e, consequentemente, na promoção de ações como colaboração e ajuda mútua.

Embora suas pesquisas envolvam química, biologia e neurociência, elas se inserem em um antigo debate filosófico: o que nos leva a agir moralmente? O que faz com que as pessoas colaborem e ajudem umas as outras, ao invés de explorar e abusar de seus semelhantes? 

Para responder a essas perguntas, Paul Zak e sua equipe realizaram uma série de experimentos que investigaram a relação entre a ocitocina e o comportamento humano.

Estudos com ocitocina em animais

Os primeiros estudos sobre o efeito da ocitocina na promoção de comportamentos sociais positivos ocorreram com animais. Nos anos 1980, uma cientista chamada Sue Carter tentou entender seu papel analisando duas espécies de ratazanas que possuem comportamentos sociais bem diferentes: a ratazana da pradaria e o rato do campo. Embora sejam espécies semelhantes, os machos da primeira espécie são pacíficos em grupos, permanecem com uma única parceira ao longo da vida e cuidam dos filhotes. Os ratos machos do campo, ao contrário, são do tipo que ficam com todas as fêmeas possíveis e menos sociáveis em grupos.

Ao estudar essas duas espécies, Carter descobriu que a explicação para o comportamento diferenciado residia no número de receptores de ocitocina presentes em cada uma. As ratazanas da pradaria possuíam uma quantidade maior desses receptores, o que ativava áreas do cérebro relacionadas ao prazer e bem-estar ao cuidar dos filhotes e conviver com uma parceira e em comunidade. Isso os incentiva a repetir esses comportamentos sociais. Por outro lado, os ratos do campo não possuíam a mesma quantidade de receptores de ocitocina, tornando-os incapazes de experimentar bem-estar ao interagir socialmente. Como consequência, esses animais se mostram antissociais e pouco confiáveis.

Mais tarde, em 2000, o neurocientista Larry Young criou um rato modificado geneticamente sem o gene responsável pela produção da ocitocina em seu organismo. Como resultado, esses animais desenvolveram “amnésia social”, ou seja, eram incapazes de “lembrar” vínculos com outros ratos e se mantinham solitários. Mas Young era capaz de religar essa capacidade nos ratos ao injetar ocitocina em seus cérebros. Assim que isso era feito, eles voltavam a conviver em harmonia com os antigos amigos e retomavam suas relações.

A partir de estudos como esse, Paul Zak começou a suspeitar que a ocitocina poderia ter uma papel relevante também nos comportamentos humanos. Quando fez suas pesquisas, os efeitos da ocitocina já eram conhecidos em relação ao parto e a amamentação, onde esse hormônio desempenha um papel fundamental no fortalecimento do vínculo entre mãe e filho e na indução das contrações uterinas e redução da dor. Porém, o papel da ocitocina no comportamento social humano ainda não era completamente compreendido.

Os experimentos de Paul Zak sobre a ocitocina em seres humanos

Em seus experimentos, Zak utilizou o Jogo da Confiança, um jogo econômico que envolve dois participantes e mede o nível de confiança entre eles. Nesse jogo, um participante, chamado de A, recebe uma certa quantia de dinheiro e tem a opção de enviá-la, total ou parcialmente, ao outro participante, chamado de B. O valor enviado é então triplicado, e o participante B decide quanto dinheiro deseja devolver ao participante A. O jogo é realizado de forma anônima, e os participantes não se conhecem.

Por exemplo, suponha que o participante A receba $10 e decida enviar $5 ao participante B. O valor enviado é triplicado, então o participante B receberá $15. Agora, o participante B tem a opção de devolver qualquer quantia ao participante A, variando de $0 a $15. Se B decidir devolver $7,50, ambos os participantes sairão do jogo com um ganho, pois A receberá $12,50 ($5 iniciais + $7,50 devolvidos) e B ficará com $7,50. No entanto, se B decidir não devolver nada, A perderá os $5 investidos e B ficará com os $15.

Esse jogo é uma medida de como os indivíduos estão dispostos a confiar uns nos outros e cooperar, mesmo sem conhecê-los e sem garantias de reciprocidade. A quantidade de dinheiro enviada por A e a quantidade de dinheiro devolvida por B são indicadores do nível de confiança e cooperação entre os participantes.

Em um de seus experimentos, Paul Zak decidiu investigar os efeitos da administração de ocitocina exógena no comportamento dos participantes durante o Jogo da Confiança. Para isso, ele dividiu os participantes em dois grupos: um grupo experimental e um grupo de controle.

O grupo experimental recebeu uma dose de ocitocina por meio de um spray nasal antes de jogar o Jogo da Confiança. Já o grupo de controle recebeu um spray nasal placebo, que não continha ocitocina. Importante ressaltar que nem os participantes nem os pesquisadores sabiam a qual grupo cada participante pertencia – ou seja, o experimento era duplo-cego.

Após a administração dos sprays nasais, os participantes jogaram o Jogo da Confiança, e Zak analisou os resultados. Ele descobriu que os participantes que inalaram ocitocina davam 17% a mais de dinheiro do que os que inalaram placebo. Mas o mais surpreendente é que a ocitocina dobrava o número de jogadores A que se tornavam tão confiantes que enviavam todo o dinheiro aos jogadores B. Esse resultado indica que a ocitocina aumentou a confiança dos participantes com as pessoas que participavam do jogo, levando-os a compartilhar mais recursos com estranhos.

As vantagens evolutivas da sociabilidade humana

Somos seres sociais que se preocupam uns com os outros porque nossa biologia evoluiu ao longo de milênios para nos fazer assim. A sociabilidade humana tem sido uma das principais características que nos permitiram prosperar como espécie e, para Paul Zac, boa parte da explicação biológica disso está em nossa capacidade de produzir ocitocina. 

A capacidade de viver em grupos coesos e cooperativos oferece várias vantagens evolutivas, como:

  • Proteção: viver em grupo proporciona maior proteção contra predadores e outros perigos. A presença de outros indivíduos permite uma melhor detecção de ameaças, já que é muito mais fácil cinquenta pessoas em um grupo verem um leão se aproximando do que um indivíduo solitário, e uma resposta coletiva mais eficaz, através de um ataque de várias pessoas com lanças, flechas, pedras e outras ferramentas. Muitas vezes o simples fato de ser um bando já contribui para afugentar predadores.
  • Compartilhamento de recursos: a cooperação permite a divisão de trabalho e o compartilhamento de recursos, garantindo que todos os membros do grupo tenham acesso a alimentos, abrigo e outros recursos essenciais. Se você estivesse sozinho na selva, dificilmente conseguiria caçar um animal grande e se conseguisse, não teria o que fazer com todo o alimento. Em um grupo, ambas as coisas são possíveis.
  • Reprodução: a sociabilidade humana facilita a formação de casais e a criação de descendentes. O cuidado parental compartilhado aumenta as chances de sobrevivência dos filhos, garantindo a continuidade da espécie. Além disso, permite que os bebês humanos se mantenham vulneráveis por mais tempo e aprendam tudo o que precisam para conviver em sociedade, como habilidades comunicativas, emocionais e cognitivas.

Tudo isso depende de duas coisas essenciais: confiar uns nos outros e estabelecer vínculos. Os grupos humanos são formados a partir de relações de confiança mútua. Ninguém fará parte de um grupo de caçadores se não confiar que não será morto pelos outros caçadores ou de que terá direito a uma parte do que foi caçado pelo grupo. 

É nesse ponto que entra a ocitocina. De acordo com o Paul Zak, ao longo do processo evolutivo, os genes responsáveis pela produção desse hormônio foram selecionados por meio da seleção natural. Não fosse isso, não seríamos hoje animais sociais com conceitos de certo e errado.

Referências

ZAK, Paul. A molécula da moralidade: as surpreendentes descobertas sobre a  substância que desperta o melhor em nós. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.